Tempo de conciliação acabou

Em seminário da CUT sobre questão racial no atual contexto político, especialistas apontam que crise exigirá coragem para reconstruir estruturas

Escrito por: Comunicação CNTRV/CUT • Publicado em: 24/11/2016 - 09:18 Escrito por: Comunicação CNTRV/CUT Publicado em: 24/11/2016 - 09:18

Divulgação

A ascensão dos discursos homofóbicos, machistas, racistas, xenófobos e racistas no Brasil e ao redor do mundo deixou explícito que avanços econômicos não são suficientes para mudar estruturas desiguais e preconceituosas encravada na alma dos povos.

Para essa transformação é preciso outro modelo que não o capitalismo, sinônimo de racismo, conforme apontaram os professores que abriram o seminário sobre a questão racial no novo contexto político brasileiro, que a CUT promoveu nesta quarta-feira (23), em São Paulo.

Segundo o professor de Direito na Universidade Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama Silvio de Almeida, as reformas propostas pelo Legislativo e amparadas pelo Judiciário representam a disputa por recursos financeiros e conceitos de sociedade que adotaremos.

“A Constituição brasileira coloca como prioridade os direitos sociais, por isso é preciso destruir a Constituição como forma de inviabilizar saúde, educação e direitos sociais por meio de projetos como a PEC 55 (que congela investimentos em saúde e educação nos próximos 20 anos). Aí não precisa nem dar tiro para exterminar a população negra e impedir que dispute o orçamento”, definiu.

Diante disso, defende o professor, é preciso entender que o tempo de conciliação acabou. “Precisamos falar sobre como superar o capitalismo porque não dá mais para esperar, precisamos ir para além de negociações e pactos conciliatórios. A PEC 55 mostra não há mais disposição de uma camarilha que tomou conta do poder de negociar qualquer pacto. Estão dispostos a tudo, inclusive de tirar nossas vidas para impor projeto de poder. Não há mais conciliação possível.”

Cota para debate

Almeida acredita que as políticas afirmativas acumuladas nos últimos anos servirão para a resistência e ressaltou que o movimento negro deixou a discussão sobre política e economia em alto nível nas mãos dos brancos. “Isso resultou em um discurso racista que todas as instituições, inclusive sindicais, reproduzem.”

Como exemplo, o professor que é pós-doutor pelo departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito Político e Econômico, ressaltou que só é lembrado para os debates em 13 de maio e 20 de novembro.

“Isso fez com que eu repensasse algumas questões. Se você não me chama para discutir a reforma tributária, não vou aceitar ser chamado para discutir culpa de homem branco. Precisamos mudar, inclusive, para educar nossos companheiros brancos e brancas. Se queremos ter um país e um mundo melhores dentro desse jogo que se desenha, não podemos deixar a questão racial de fora. Não estou nem falando de ética, mas de política, o país é inviável com racismo, não dá para falar em democracia com racismo interferindo na equação. E para acabar com democracia basta aprofundar o racismo porque a base social é negra.”

Como se aprende racismo 

O racismo que se expressa, aponta o professor, até mesmo nas instituições formadoras e destruidoras de valores.

“Há 20 anos estou na faculdade de Direito e posso afirmar que vai piorando e não melhorando as pessoas. Sujeito entra cheio de amor e esperança e sai de lá um grande leitor de parágrafos, insensível com algumas questões que tinha profunda sensibilidade. As instituições são racistas porque a sociedade é racista.”

Para ele, o STF (Supremo Tribunal Federal) também é exemplo disso. “Quando entra nas profissões jurídicas, piora ao quadrado, muitos no Supremo eram altamente respeitáveis, com viés progressista ou liberal, defendiam liberdade individual. A ministra Carmen Lúcia foi uma das maiores entusiastas da política de ação afirmativa. Desconsideramos o papel das instituições na formação dos sujeitos, na formação das mentalidades. E não agimos para mudar instituições e estruturas sociais.”

Silvio Almeida defende que a esquerda não será legítima se não tiver a luta contra o racismo em sua essência. “Quem é de esquerda tem que pensar na luta anti-racista. Se não pensa o racismo, não é de esquerda. Temos que recusar esse mundo e não aceitar certas coisas, ter o socialismo em nossa boca e repudiar algumas outras. O capitalismo é uma delas.

Dois países

Para expressar a necessidade de pensar a política de igualdade racial como disputa de hegemonia, a professora de Cultura e Comunicação da USP, Rosane Borges, disse que há dois Brasis no mesmo Brasil.

O primeiro, exclusivamente branco, ocuparia o 38º lugar no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O segundo, negro, está na 110º posição.

“Quando pegamos dados do feminicídio, do genocídio da juventude negra, vemos que a pobreza está estruturada na questão racial. Se a esquerda não pensar isso, não vai pensar projeto concreto de desenvolvimento.”

Rosane também falou sobre o momento de ascensão conservadora e detectou que, para além do discurso fascistóide, o Brasil enxerga a volta de um nacionalismo combinado com políticas de costumes.

“É uma política que ataca os direitos reprodutivos, sexuais, de gênero, raça, racismo e de pluralidade. É um nacionalismo que ataca outra noção de família fora do Estatuto da Família, a concepção de uma religião que não concebe outros tipos de religião”, fala.

O que sempre fomos

De mesma forma que Silvio de Almeida, ela, também apontou que ao deixar de aproveitar os momentos de ouro no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de discussão das políticas de igualdade, os movimentos sociais perderam a oportunidade de confrontar o imaginário que move a concepção do outro.

“Enquanto as centrais não adotarem essas questões como eixo de disputa, deixamos margem de manobra para que fossem disputadas pela direita. A não leitura do que foi 2013 fez com que a direita capitalizasse mentalidades e imaginários, o que as pessoas queriam para além do pão. A guinada à direita tem a ver com o que sempre fomos. Lula dizia que no governo dele todo mundo ganhava, mas você não pensa em todo mundo ganhar bem se não atacar privilégios, inclusive da branquitude”, definiu.

A professora, porém, acredita que este momento de crise é justamente a grande oportunidade para mexer nas estruturas arcaicas do Estado brasileiro.

“Cabe a nós neste momento de reordenação do jogo ter a clareza de que não se disputa a hegemonia sem abordar o racial. A questão racial deve ser a questão central, se perdermos essa oportunidade, vamos perder também a chance de protagonizar a luta e o que é a população brasileira.”

Título: Tempo de conciliação acabou, Conteúdo: A ascensão dos discursos homofóbicos, machistas, racistas, xenófobos e racistas no Brasil e ao redor do mundo deixou explícito que avanços econômicos não são suficientes para mudar estruturas desiguais e preconceituosas encravada na alma dos povos. Para essa transformação é preciso outro modelo que não o capitalismo, sinônimo de racismo, conforme apontaram os professores que abriram o seminário sobre a questão racial no novo contexto político brasileiro, que a CUT promoveu nesta quarta-feira (23), em São Paulo. Segundo o professor de Direito na Universidade Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama Silvio de Almeida, as reformas propostas pelo Legislativo e amparadas pelo Judiciário representam a disputa por recursos financeiros e conceitos de sociedade que adotaremos. “A Constituição brasileira coloca como prioridade os direitos sociais, por isso é preciso destruir a Constituição como forma de inviabilizar saúde, educação e direitos sociais por meio de projetos como a PEC 55 (que congela investimentos em saúde e educação nos próximos 20 anos). Aí não precisa nem dar tiro para exterminar a população negra e impedir que dispute o orçamento”, definiu. Diante disso, defende o professor, é preciso entender que o tempo de conciliação acabou. “Precisamos falar sobre como superar o capitalismo porque não dá mais para esperar, precisamos ir para além de negociações e pactos conciliatórios. A PEC 55 mostra não há mais disposição de uma camarilha que tomou conta do poder de negociar qualquer pacto. Estão dispostos a tudo, inclusive de tirar nossas vidas para impor projeto de poder. Não há mais conciliação possível.” Cota para debate Almeida acredita que as políticas afirmativas acumuladas nos últimos anos servirão para a resistência e ressaltou que o movimento negro deixou a discussão sobre política e economia em alto nível nas mãos dos brancos. “Isso resultou em um discurso racista que todas as instituições, inclusive sindicais, reproduzem.” Como exemplo, o professor que é pós-doutor pelo departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito Político e Econômico, ressaltou que só é lembrado para os debates em 13 de maio e 20 de novembro. “Isso fez com que eu repensasse algumas questões. Se você não me chama para discutir a reforma tributária, não vou aceitar ser chamado para discutir culpa de homem branco. Precisamos mudar, inclusive, para educar nossos companheiros brancos e brancas. Se queremos ter um país e um mundo melhores dentro desse jogo que se desenha, não podemos deixar a questão racial de fora. Não estou nem falando de ética, mas de política, o país é inviável com racismo, não dá para falar em democracia com racismo interferindo na equação. E para acabar com democracia basta aprofundar o racismo porque a base social é negra.” Como se aprende racismo  O racismo que se expressa, aponta o professor, até mesmo nas instituições formadoras e destruidoras de valores. “Há 20 anos estou na faculdade de Direito e posso afirmar que vai piorando e não melhorando as pessoas. Sujeito entra cheio de amor e esperança e sai de lá um grande leitor de parágrafos, insensível com algumas questões que tinha profunda sensibilidade. As instituições são racistas porque a sociedade é racista.” Para ele, o STF (Supremo Tribunal Federal) também é exemplo disso. “Quando entra nas profissões jurídicas, piora ao quadrado, muitos no Supremo eram altamente respeitáveis, com viés progressista ou liberal, defendiam liberdade individual. A ministra Carmen Lúcia foi uma das maiores entusiastas da política de ação afirmativa. Desconsideramos o papel das instituições na formação dos sujeitos, na formação das mentalidades. E não agimos para mudar instituições e estruturas sociais.” Silvio Almeida defende que a esquerda não será legítima se não tiver a luta contra o racismo em sua essência. “Quem é de esquerda tem que pensar na luta anti-racista. Se não pensa o racismo, não é de esquerda. Temos que recusar esse mundo e não aceitar certas coisas, ter o socialismo em nossa boca e repudiar algumas outras. O capitalismo é uma delas. Dois países Para expressar a necessidade de pensar a política de igualdade racial como disputa de hegemonia, a professora de Cultura e Comunicação da USP, Rosane Borges, disse que há dois Brasis no mesmo Brasil. O primeiro, exclusivamente branco, ocuparia o 38º lugar no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O segundo, negro, está na 110º posição. “Quando pegamos dados do feminicídio, do genocídio da juventude negra, vemos que a pobreza está estruturada na questão racial. Se a esquerda não pensar isso, não vai pensar projeto concreto de desenvolvimento.” Rosane também falou sobre o momento de ascensão conservadora e detectou que, para além do discurso fascistóide, o Brasil enxerga a volta de um nacionalismo combinado com políticas de costumes. “É uma política que ataca os direitos reprodutivos, sexuais, de gênero, raça, racismo e de pluralidade. É um nacionalismo que ataca outra noção de família fora do Estatuto da Família, a concepção de uma religião que não concebe outros tipos de religião”, fala. O que sempre fomos De mesma forma que Silvio de Almeida, ela, também apontou que ao deixar de aproveitar os momentos de ouro no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de discussão das políticas de igualdade, os movimentos sociais perderam a oportunidade de confrontar o imaginário que move a concepção do outro. “Enquanto as centrais não adotarem essas questões como eixo de disputa, deixamos margem de manobra para que fossem disputadas pela direita. A não leitura do que foi 2013 fez com que a direita capitalizasse mentalidades e imaginários, o que as pessoas queriam para além do pão. A guinada à direita tem a ver com o que sempre fomos. Lula dizia que no governo dele todo mundo ganhava, mas você não pensa em todo mundo ganhar bem se não atacar privilégios, inclusive da branquitude”, definiu. A professora, porém, acredita que este momento de crise é justamente a grande oportunidade para mexer nas estruturas arcaicas do Estado brasileiro. “Cabe a nós neste momento de reordenação do jogo ter a clareza de que não se disputa a hegemonia sem abordar o racial. A questão racial deve ser a questão central, se perdermos essa oportunidade, vamos perder também a chance de protagonizar a luta e o que é a população brasileira.”



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