Mudança no registro sindical pode incentivar criminalização, alertam centrais
Alterações administrativas no campo trabalhista anunciadas esta semana pelo presidente Jair Bolsonaro são criticadas por CUT, CTB e especialistas, que apontam para risco de aumento de perseguição
Escrito por: Redação RBA • Publicado em: 07/01/2019 - 14:14 Escrito por: Redação RBA Publicado em: 07/01/2019 - 14:14Reprodução
As alterações administrativas no campo trabalhista anunciadas esta semana pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), levantaram críticas de centrais sindicais e especialistas do mundo do trabalho. Uma das tantas medidas criticadas é a transferência da Coordenação-Geral de Registro Sindical para o Ministério da Justiça (MJ), agora sob o comando do ex-juiz de primeira instância Sérgio Moro.
A mudança está expressa na Medida Provisória (MP) 870, publicada na última terça (1º), que alterou a estrutura administrativa do Poder Executivo federal, extinguindo, entre outras coisas, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A pasta era responsável pelos registros e, diante da dissolução, as competências do MTE foram distribuídas para outros órgãos.
O registro sindical é a inscrição oficial das entidades de classe no âmbito estatal e tem o objetivo de impedir que mais de um sindicato represente uma mesma categoria profissional.
Para o secretário-geral da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), Wagner Gomes, a realocação dessa competência para o MJ traz riscos políticos no sentido de incentivar a criminalização da luta popular e sindical. Do ponto de vista funcional, o Ministério da Justiça é responsável por temas como o combate à pirataria, o enfrentamento a organizações criminosas e o sistema prisional.
"Quando colocam a questão do registro pra pasta do Ministério da Justiça, eles querem insinuar exatamente que [sindicato] é caso de polícia, que é um ‘bando de ladrões’. Esse é o simbolismo. É querer desmoralizar o movimento sindical. Nada é feito de graça", critica Gomes.
O dirigente destaca ainda que a transferência da Coordenação-Geral deve ser interpretada dentro de um contexto mais amplo de medidas que vêm sendo tomadas. O fim do MTE, ressalta, seria um forte sinal do desmonte do sistema de amparo ao trabalhador, que vem sofrendo ataques desde 2016, no cenário pós-golpe.
"A partir do momento em que se faz o que foi feito, nós estamos enfraquecendo ainda mais a questão do movimento sindical. Então, pra nós, a questão central é o fim do Ministério do Trabalho", complementa.
Sob o governo de Michel Temer (MDB), diferentes ações de retiradas de direito foram implementadas, como a terceirização irrestrita e a reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso Nacional em julho de 2017. A reforma trouxe mudanças como a prevalência da negociação coletiva sobre as normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a permissão para que mulheres grávidas trabalhem em locais considerados insalubres e o trabalho intermitente.
Em relação aos impactos no mundo sindical, a reforma também enterrou a contribuição sindical obrigatória, enfraquecendo as entidades de classe.
Já na reforma administrativa do governo Bolsonaro, houve ainda outras modificações no campo das questões trabalhistas: o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) passaram a ser competência do recém-criado Ministério da Economia.
A pasta é comandada pelo economista neoliberal Paulo Guedes, que, assim como Bolsonaro, tem defendido uma flexibilização ainda maior dos direitos trabalhistas.
"A distribuição das funções do MTE representa um desrespeito às próprias funções do Ministério. Mostra que o novo governo passa um sinal de desconhecimento e até mesmo de desprezo sobre o tema das relações de trabalho", avalia o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto.
O ex-vice-presidente da Central Única de Trabalhadores (CUT) e ex-secretário de Trabalho do governo Dilma Rousseff (PT), José Lopes Feijó, destaca que as tentativas de enfraquecimento dos sindicatos se relacionam com outras medidas que podem ser implementadas na gestão Bolsonaro.
Ele lembra, por exemplo, que o novo presidente tem defendido o fim da Justiça do Trabalho, responsável pelo julgamento de conflitos entre patrões e empregados à luz da legislação trabalhista.
"Trata-se de uma política deliberada, clara, de desmonte de qualquer possibilidade de os trabalhadores terem direitos e de qualquer possibilidade de eles terem instituições de defesa desses direitos. A última parte do ataque é ao movimento sindical. E como se faz isso? Com a construção de um Estado policial supervisionado pelo ministro da Justiça, que terá em suas mãos a questão do registro sindical. Vamos assistir a um processo de perseguição aos sindicatos", projeta.