Condições de trabalho de mulheres retrocederam 10 anos, diz Cepal/ONU
Informalidade, desemprego, duplas jornadas, além de outros impactos causados pela pandemia, deterioram as condições de trabalho para as mulheres. Relatório cobra políticas de igualdade
Escrito por: redação CUT • Publicado em: 17/02/2021 - 12:59 • Última modificação: 23/04/2022 - 15:06 Escrito por: redação CUT Publicado em: 17/02/2021 - 12:59 Última modificação: 23/04/2022 - 15:06Um relatório elaborado pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), braço da Organização das Nações Unidas (ONU), mostra que as mulheres trabalhadoras sofreram mais as consequências da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). O estudo aponta que as condições de trabalho e os direitos delas sofreram um retrocesso de dez anos, desde o início da crise sanitária, em fevereiro do ano passado.
Muitas foram demitidas, tiveram seus salários reduzidos ou precisaram pedir demissão para cuidar de filhos, impedidos de frequentar escolas e creches que foram fechadas para conter a transmissão do vírus, ou parentes com comorbidades. A informalidade e o trabalho precário são fatores que também prejudicam as mulheres no mercado de trabalho. Já aconteciam antes da pandemia, mas agora, se aprofundaram.
A recomendação da Cepal para reverter o quadro é de que os governos da América Latina adotem medidas de recuperação econômica que contemplem a questão de gênero para reduzir a desigualdade entre homens e mulheres, já que os setores que mais sofrem os impactos – comércio, trabalho doméstico e outros-, têm mais mulheres.
“É fundamental avançar em um novo pacto fiscal que promova a igualdade de gênero e que evite o aprofundamento dos níveis de pobreza das mulheres, a sobrecarga de trabalho não remunerado e a redução do financiamento de políticas de igualdade”, diz a Secretária Executiva da Comissão, Alicia Bárcena.
Já no início da pandemia ficava claro que cairia a oferta de emprego para as elas e os principais fatores para essa queda são o machismo e a misoginia estruturais na sociedade, afirma a secretária das Mulheres Trabalhadora da CUT, Juneia Batista
“É óbvio que as empresas preferem os homens porque sabem que as mulheres ainda terão a responsabilidade de cuidar de outras pessoas, os filhos, a família. É o que acontece já que 90% da responsabilidade desses cuidados recai sempre sobre elas”, diz a dirigente.
Para Juneia, a recomendação da Cepal sobre priorizar mulheres, deve passar pela mudança de conceitos da sociedade, combatendo o machismo. “Falar sobre empoderar a mulher significa dizer para os homens que se não houver por parte de todos a preocupação sobre a igualdade de gêneros, não teremos uma sociedade mais justa nunca”.
E mais, acrescenta a secretária da CUT, se não for por esse caminho, a sociedade continuará sendo miserável e o mundo nunca será um lugar melhor. “Veremos, dia após dia, a mulher sofrendo ainda mais a violência que já sofre, seja pela pesada carga de ter que assumir todo o trabalho doméstico e familiar, seja pela agressão de seus companheiros, seja pelo preconceito no mercado de trabalho”, afirma.
Redução da atividade
O relatório da Cepal aponta uma queda de 52% para 46% na atividade profissional realizada pelas mulheres, em toda a América Latina, incluindo o México, desde o início da pandemia. Uma das categorias que se destacam nessa queda foi a das empregadas domésticas.
No Brasil, entidades que defendem os direitos dessas trabalhadoras, antevendo as dificuldades que viriam após o início da pandemia, fizeram campanhas para conscientizar patrões sobre a urgência em protegê-las. “Na pandemia, deixe sua doméstica em casa” e “Cuide de quem te cuida”, as duas primeiras campanhas, foram lançadas pela Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), entidade filiada à CUT.
Luiza Batista, presidenta da Fentrad, explica que se tratava de um apelo para que os empregadores liberassem as trabalhadoras para que permanecessem em casa, em isolamento, evitando riscos como andar de ônibus lotado, mas continuassem com seus salários, preservando assim, além da saúde, um mínimo de dignidade a elas.
“Não houve adesão. O que vimos foi demissão de trabalhadoras, muito porque patrões também tiveram de reduzir o orçamento por causa da crise. Mas teve também os casos em que os patrões simplesmente não liberaram suas domésticas”, diz Luiza.
Prova disso é o caso da primeira vítima da Covid-19 no Rio de Janeiro, uma doméstica, como relembra a dirigente. “Os patrões vieram da Itália, contaminados, não liberaram a doméstica e também não avisaram que estavam infectados. O resultado foi a morte dela”, diz a presidenta da Fenatrad.
Ainda sobre a categoria, Luiza explica que os impactos econômicos e sociais foram acentuados por conta das relações de trabalho que sofreram modificações. “Todas foram prejudicadas, principalmente as informais, além das diaristas”.
”Elas não conseguiram entrar no programa de redução de jornada e salário, previsto na MP 936, justamente porque não tinham carteira assinada. As diárias diminuíram e consequentemente a renda caiu”, diz Luiza Batista.
Leia mais: MP 936 autorizou o corte de salários e a suspensão de contratos de trabalho durante a pandemia
Outra situação denunciada por muitas domésticas à Fenatrad foi a demissão e posterior contração apenas por diárias, mas somente uma ou duas vezes por semana, para que não se caracterizasse o vínculo empregatício. Era a utilização de uma artimanha que, de acordo com Luiza, se tornou legalizada pela reforma Trabalhista, com o contrato intermitente.
O contrato intermitente, modalidade instituída pela reforma Trabalhista do golpista Michel Temer (MDB-SP), libera os patrões a chamar os trabalhadores e as trabalhadoras a prestar serviços uma ou duas vezes por semana ou só nos fins de semana. O trabalhador pode ganhar menos de um salário mínimo por mês, dependendo do salário e de quantas vezes for convocado pelo patrão. Muitos sequer conseguem renda para manter a família, muito menos contribuir com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) todos os meses.
O retrocesso de uma década, relatado pela Cepal/ONU, de acordo com Luiza é consequência dos impactos da pandemia, mas ela afirma que as reformas Trabalhista e previdenciária, somadas à crise econômica do país, também ajudaram a precarizar ainda mais as relações de trabalho das mulheres e a encolher o mercado de trabalho para elas.
Sem trabalho, sem renda
Na pandemia, aumentou o peso da responsabilidade familiar que tradicionalmente recai mulheres. Para piorar a situação, muitas tiveram de enfrentar o desemprego ou a redução e até mesmo a perda de renda, que para muitas mulheres é a única forma de garantir o orçamento de casa.
“Mudou significativamente. Muitas perderam o emprego, muitas eram informais e ficaram sem renda. E muitas outras passaram a trabalhar em casa, assumindo todas as responsabilidades domésticas, inclusive de cuidar em tempo integral dos filhos que não foram para escola por causa do isolamento”, diz Juneia Batista.
Luiza Batista, da Fenatrad, acrescenta também que muitas informais não tiveram acesso ao auxílio emergencial de R$ 600 (R$ 1.200 para mães solo) aprovado pelo Congresso Nacional para ajudar os trabalhadores desempregados e informais durante a pandemia e pagos pelo governo até dezembro do ano passado.
O não acesso ao auxilio, diz Luiza, agravou ainda mais a já fragilizada posição das mulheres. “Elas faziam apelos na federação, dizendo que o pedido de auxilio estava em análise e não era aprovado. E pediam uma indicação, uma oportunidade, qualquer chance de poder fazer uma ou duas diárias, para terem o que comer”.
Proposta da Cepal
De acordo com o relatório da Cepal, apresentado em Santiago, no Chile, no dia 10 de fevereiro, a proposta inclui os governos reativarem os setores mais impactados.
“Além de redinamizar as economias eles têm um potente efeito na recuperação do emprego das mulheres”, diz o documento.
Além disso, propõe aumentar investimentos em rede de cuidados e políticas públicas paras mulheres no que diz respeito à assistência. Ampliar creches, de acordo com a Cepal, é ampliar a participação das mulheres no mercado de trabalho.
A Cepal ainda destaca o setor de saúde, onde há maior estabilidade no emprego, mas da mesma forma, as condições de trabalho pioraram. “Diante da atual crise, as jornadas de trabalho se intensificam, e em alguns casos as pessoas ocupadas neste setor não contam com equipamentos de proteção suficientes, o que aumenta as possibilidades de contágio e também agudiza o estresse do pessoal”, diz o documento da Cepal.