Após pressão da CUT e da sociedade, Bolsonaro recua da suspensão de salários
Para economistas do Cesit e da USP, decisão do governo Bolsonaro seria um desastre para trabalhadores e empresários. Presidente da CUT disse que MP é oportunista e desmonta lei trabalhista
Escrito por: Redação CUT • Publicado em: 23/03/2020 - 15:40 Escrito por: Redação CUT Publicado em: 23/03/2020 - 15:40Arte: CUT
Horas depois da divulgação, o governo de Jair Bolsonaro voltou atrás e suspendeu o artigo nº 18, da Medida Provisória (MP) nº 927/2020, publicada neste domingo (22), que permitiria que patrões suspendessem os contratados de trabalho por quatro meses, sem pagamento de salário. O anúncio do recuo foi feito por volta das 14h no perfil de Bolsonaro no Twitter.
Bolsonaro sentiu o total repúdio à medida que ficou em primeiro lugar no Twitter no Brasil, com a maioria criticando sua postura e do ministro da Economia, Paulo Guedes, de só tomar medidas que beneficiam os empresários e prejudicam os trabalhadores. Muitos passaram a chamar a medida de MP da Morte. Ou morre de fome ou do coronavírus, disseram dirigentes da CUT. chamaram. Para o presidente da Central, Sérgio Nobre, “a proposta oportunista, de desmonte da legislação trabalhista e benefícios tributários para empresários”. Outra crítica forte foi feita pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ), que cobrou medidas que protejam o emprego e não ao contrário.
A rejeição ao pacote do governo veio também de economistas que avaliaram a MP 927, como burrice, tiro no pé, gasolina na fogueira e total desastre.
Do ponto de vista econômico, é jogar gasolina na fogueira, avaliou a professora de economia da FEA/USP, Leda Paulani. Segundo ela, as pessoas já vivem numa situação precária e dispensar neste momento um trabalhador e deixá-lo sem renda é um contrassenso.
Estamos sentados num barril de pólvora social e o governo está provocando o caos, num momento de calamidade em que as famílias mais pobres não têm, sequer, água e sabão para lavar as mãos
- Leda Paulani
A decisão de Bolsonaro de atender interesses neoliberais do ministro da Economia, Paulo Guedes, é um tiro no pé, um absoluto equívoco, um desastre completo, avaliou o pesquisador Marcelo Manzano, do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit).
Segundo ele, além de injusta e uma violência, a MP prejudicaria em primeiro lugar os trabalhadores, mas num segundo momento os próprios empresários que sentiriam o baque já na segunda semana que o trabalhador ficasse sem salário.
Sem salários, sem renda, não há mercado funcionando e ninguém vai poder comprar nem alimentos. Esta MP revela a burrice, a estupidez e a pequenez deste governo que não quer ‘botar a mão no próprio bolso
- Marcelo Manzano
“Espero que o Congresso rejeite esta MP. Ela não pode valer nem por 24 horas. Se o governo levar isso adiante vai produzir uma crise descomunal e aí sim vai acabar o governo Bolsonaro’, disse Manzano antes da medida cair.
Obrigação do governo é garantir empregos
Há uma série de medidas que podem ser tomadas sem retirar a renda das pessoas, acredita Leda Paulani. A economista diz entender que as empresas precisam de auxílio, mas não desta forma. Segundo ela, o governo pode oferecer capital de giro, dando mais liquidez às empresas.
“Se uma empresa tem dinheiro a receber em notas promissórias, por exemplo, e não está recebendo no momento por falta de liquidez de seus devedores, o governo pode antecipar esses pagamentos, desde que haja garantia de preservação dos empregos”, pondera.
Paulani defende ainda a suspensão de pagamentos, temporariamente, de contas de água e luz para as empresas, desde que os empregos sejam preservados.
“Hoje milhares de famílias têm apenas uma pessoa com emprego de carteira assinada, e deixar este único trabalhador sem renda seria uma calamidade. A contrapartida do governo teria de ser a sustentação do emprego e o pagamento do salário”.
Bolsonaro vai na contramão do mundo que preserva empregos
A Organização Internacional do Trabalho estima que 25 milhões de pessoas podem perder o emprego no mundo apenas como consequência do coronavírus, mas o governo brasileiro ,por enquanto, não anunciou nenhuma medida de apoio direto ao trabalhador, apenas quer socorrer empresas em detrimento dos salários.
Por enquanto, o governo anunciou, também neste domingo (22), que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai liberar R$ 55 bilhões para diminuir os efeitos da pandemia de coronavírus na economia, mas nada que beneficie e proteja os salários dos trabalhadores.
“Paulo Guedes resiste em acabar com a Emenda [ 95] que limita os gastos públicos, indo na contramão do mundo. Todas as medidas tomadas pelo governo cometem uma tremenda injustiça social”, avalia o pesquisador do Cesit, Marcelo Manzano.
A mesma opinião tem a professora da FEA/USP. Segundo ela, todos os países querem preservar a renda para não aumentar o desespero das famílias.
“Não oferecer renda é aprofundar o impacto inevitável que a pandemia terá sobre a economia. O Brasil está indo na contramão do mundo”, afirma Leda Paulani.
Os economistas se referem às medidas anunciadas até por governos neoliberais como os Estados Unidos que devem aprovar um projeto de lei que prevê apoio econômico de pagamento único de US$ 3.000 (cerca de R$ 15 mil) a famílias e permitirá que o Federal Reserve levante até US$ 4 trilhões em liquidez para fomentar a economia do país.
Na Dinamarca, o governo local anunciou um plano pelo qual o Estado cobrirá 75% dos salários mensais pagos por empresas privadas pressionadas pela pandemia, até o limite de cerca de R$ 16,7 mil, durante três meses. As empresas se comprometeram a pagar o restante, e os trabalhadores abrirão mão de cinco dias de férias. Já para trabalhadores contratados por hora, a cobertura estatal dos salários será de 90%. As medidas são retroativas ao início da epidemia.
O governo da Alemanha vai aprovar um empréstimo de € 356 bilhões (cerca de R$ 2 trilhões) para financiar seus planos de socorro ao sistema de saúde e a empresas e trabalhadores afetados pela paralisação decorrente da pandemia. Também houve a ampliação do programa local que paga parte do salário de trabalhadores cuja jornada de trabalho tenha sido reduzida, para evitar demissões.
Trabalhador vai negociar sozinho com patrão
Outro ponto que prejudica essencialmente os trabalhadores e que não foi revogado é acordos individuais entre patrões e empregados estarão acima das leis trabalhistas. Com isto, a MP desprotege ainda mais o trabalhador que estará em desvantagem na hora de uma negociação.
Sobre este ponto da MP, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Procuradoria Geral do Trabalho (PGT) , assinaram uma nota conjunta em que “reforçam o seu entendimento de que o diálogo social pode conduzir a medidas mais acertadas e, principalmente, que envolvam as classes trabalhistas e empresarial. Por essa razão, também vê com preocupação a não participação das entidades sindicais na concepção de medidas e a permissão de que medidas gravosas sejam feitas sem a sua participação.
Confiras as medidas da MP 927/2020, já sem o artigo 18
Fonte: Dieese
- o teletrabalho, sem necessidade de acordos individual ou coletivo;
- a antecipação das férias individuais;
- a concessão de férias coletivas;
- o aproveitamento e a antecipação de feriados, que dependerá somente de concordância do empregado;
- o banco de horas estabelecido por acordo individual ou coletivo para compensação num prazo de até 18 meses, e cuja compensação de hora pode ser determinada exclusivamente pelo empregador;
- a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, como exames médicos ocupacionais e treinamentos periódicos e eventuais previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde do trabalho;
- o diferimento do recolhimento do FGTS