Usando o velho argumento dos altos custos do emprego no Brasil, o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro (PSL) anunciou, nesta segunda-feira (13), que vai reduzir em 90% as Normas Regulamentadoras (NRs) de segurança e saúde no trabalho.
“Há custos absurdos [para as empresas] em função de uma normatização absolutamente bizantina, anacrônica e hostil”, disse Bolsonaro ao fazer a promessa de acabar com as NRs nas redes sociais.
Segundo ele, o pacote de revisão que deve ser entregue em junho, vai modernizar as normas, simplificar e desburocratizar as regras atuais, agilizando a geração de empregos. "O governo Federal moderniza as normas de saúde, simplificando, desburocratizando, dando agilidade ao processo de utilização de maquinários, atendimento à população e geração de empregos", justificou em seu perfil no Twitter.
A primeira norma a ser revista, segundo o secretário-especial de Trabalho e Previdência do Ministério da Economia, Rogério Marinho, que foi relator e maior defensor da reforma Trabalhista do ilegitimo Michel Temer (MDB) e por isso mesmo não se reelegeu deputado, será a NR-12 - que trata da regulamentação de maquinário, abrangendo desde padarias até fornos siderúrgicos.
O anúncio já preocupa o Ministério do Público do Trabalho (MPT), médicos que atuam na área e o ex-ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho que sabem da importância da maioria dessas normas para a saúde e a segurança do trabalhador e da trabalhadora que, mesmo com as normas continuam sofrendo acidentes graves, fatais e incapacitantes nos ambientes de trabalho.
O procurador Leonardo Osório Mendonça, coordenador nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho do MPT disse à Folha que não vê como o governo pode acabar com tantas normas e continuar garantindo a proteção dos trabalhadores e trabalhadoras. “Não vejo como cortar em 90% e não ter redução da proteção dos trabalhadores. Temos que aguardar o governo apresentar as propostas, mas com preocupação”.
Marinho também vê a medida com preocupação, especialmente porque Bolsonaro não demonstra qualquer interesse em atuar para melhorar as condições de vida da classe trabalhadora do país. “Muito pelo contrário, tudo ele fez até agora foi contra os trabalhadores e trabalhadoras”, diz o ex-ministro e atual presidente do PT Estadual em São Paulo.
“Ele ignora os mais de 13 milhões de desempregados, os desalentados e os subempregados. Não tem uma proposta para gerar emprego e renda. Só encaminha medidas que prejudicam os trabalhadores e trabalhadoras, como a reforma da Previdência, que vai acabar com a aposentadoria de milhões de trabalhadores e trabalhadoras, em especial os mais pobres e os rurais; e o fim do pagamento do abono do PIS/Pasep para quem ganha mais de um mínimo", critica Marinho.
"E agora, mais essa", prossegue Marinho, "o extermínio de 90% das NRs. Essa medida pode colocar em risco a vida de milhares de trabalhadores”.
O médico do Trabalho, Paulo Kaufmann, disse a repórter Cláudia Motta, da RBA, que é incrível a capacidade desse governo de buscar medidas que seriam polêmicas, se não fossem trágicas e lembrou que o Brasil segue campeão de acidentes de trabalhos.
“Os acidentes com máquinas continuam amputando mãos, dedos, ceifando vidas. Se diminuir ainda mais a abrangência e exigência será um desastre, é estímulo ao crime, a garantir mais produtividade, mais lucro a custa, literalmente, do sangue, da carne dos trabalhadores.”
Amputações, esmagamentos e mortes
O médico explica que as NRs são regulamentadas por decreto e nem precisam passar pelo Congresso Nacional. São normas que regulamentam artigos da CLT, criadas pela portaria 3.214 de 1978.
Kaufmann comenta a menção de Bolsonaro à NR 12, como a primeira a ser revista. “Essa NR, por exemplo, sempre sofreu críticas de setores empresarias, desde seu nascedouro. Como ela é bastante exigente, algumas das regras seriam, segundo eles, custosas e inviabilizariam a produção em algumas indústrias”, explica. “Mas o fato é que, com a quantidade de acidentes, amputações, esmagamentos, mortes eram necessárias regras mais rígidas. Se a NR12 poderia merecer alguma flexibilização, não parece ser o sentido geral de mais essa ameaça do presidente.”
O médico prevê que o governo comprará uma briga com setores técnicos, auditores, com o movimento sindical. E lembra que, por trás dessa fala de Bolsonaro, há todo o desmanche, a falta de recursos nas estruturas do governo e a crítica expressa à própria fiscalização da segurança do trabalho. “Há uma série de ações que começaram no governo anterior, como a reforma trabalhista, e agora a MP que exige boleto individual para pagamento aos sindicatos. Na prática extingue os sindicatos com sua capacidade de pressão, negociação, e de contratar e financiar ações de mobilização, estudos para negociação e convenções coletivas”, critica.
“E ali do outro lado, o INSS concedendo cada vez menos auxílio-doença, não promovendo reabilitação, devolvendo aleijados para que se virem nesse mar de desempregados. Ou seja, a saúde do indivíduo, desassistido, irá deteriorar mais ainda. Esperamos que os trabalhadores percebam quão graves estão sendo essas ações desse governo”
Para lidar com esse quadro, Kaufmann sugere estudar item por item e fazer diferente do que foi feito nos últimos anos. “Temos de sair das mesas de negociação e voltar finalmente para os locais de trabalho, conversar com a base de trabalhadores”, afirma. “Revalorizar as Cipas (Comissões Internas de Prevenção a Acidentes) e mobilizar de baixo para cima. Um novo sindicalismo que reaja a essas ações e reverta o máximo possível para que possamos voltar a representar mais os direitos e interesses e necessidades dos trabalhadores.”