A sessão da Câmara dos Deputados que pode cassar o mandato do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), esperada para amanhã (12), será uma “guerra regimental”. Como é de conhecimento público, o ex-presidente da Casa conhece o regimento como poucos. O atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já declarou que não tomará partido nas decisões, e que essas serão prerrogativa do plenário. Maia disse ainda que prevê quórum alto na sessão.
Mas sua decisão de marcar a sessão para uma segunda-feira, em plena campanha eleitoral, é vista com desconfiança. São necessários 257 votos para a cassação. Segundo divulgado por vários órgãos de imprensa nas últimas semanas, dez partidos vão votar em peso pela cassação: PT, PCdoB, PPS, Psol, PSDB, PSB, DEM, PRB, PDT e Rede.
São esperadas manobras, questões de ordem e todo tipo de ação possível dos aliados de Cunha. É aguardado também que o ainda deputado recorra à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) tentando “melar” a tramitação da cassação no plenário. Outra manobra seria a tentativa de aliados de conseguirem uma pena “branda”, valendo-se inclusive do precedente do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff no Senado, que cassou seu mandato mas manteve seus direitos políticos.
Mas Cunha tem contra si duas forças poderosas. A principal delas é o apelo popular por sua cassação. Mesmo sendo considerado, ainda que veladamente, uma espécie de “herói” por ter dado início ao processo de impeachment que derrubou Dilma Rousseff, poucos políticos lutam contra uma corrente da opinião pública tão forte. O outro problema é que sua tentativa de suspender o processo de cassação sofreu acachapante derrota no Supremo Tribunal Federal, que, por 10 votos a 1, rejeitou seu pedido na quinta-feira (8). O peso político dessa decisão é enorme.
Deputados de vários partidos, incluindo os que votaram contra e a favor de Dilma, têm conversado com Rodrigo Maia argumentando que ele não pode interferir na tramitação e que o plenário deve ser soberano. Um deles é Orlando Silva (PCdoB-SP). “Quem tem que decidir é o plenário, e no plenário não acredito que tenha qualquer chance para Eduardo Cunha”, diz. “Mesmo que ele recorra à CCJ, isso não vai ter impacto no rito e na tramitação da cassação. A votação vai até o fim e ele vai ser cassado”, acredita.
O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) tem a mesma interpretação. “Recorrer à CCJ é regimental, mas isso não significa paralisar a votação alvo do recurso. Paralisar seria uma novidade.” Para ele, a Câmara está jogando sua própria reputação, que já anda muito baixa, no julgamento. “Não cassar Cunha seria uma vergonha. Vai ser a execração pública geral contra a Câmara e especialmente contra os deputados que coonestarem esse procedimento espúrio.”
Orlando Silva reconhece que Eduardo Cunha “domina muito o regimento da casa e vai usar todas as possibilidades que o regimento permitir”. Ele acredita que os aliados do peemedebista apresentem recursos para conseguir uma pena mais branda, tentem fazer destaques e votar em separado algum tema do relatório. “Como foi no caso da Dilma no Senado. Vai ter uma guerra regimental, mas eu não acredito que tenha efeito prático.”
Para Alencar, também é óbvio que Cunha, por meio de algum membro da tropa de choque (ele cita o deputado Carlos Marun, PMDB-MS), recorra à CCJ e solicite a paralisação de tudo até que a comissão se manifeste. “Tudo para protelar. Se conseguirem, segunda-feira pode ser mais um dia da vergonha nacional e essa legislatura decretar a sua própria falência”, afirma. “Rodrigo Maia pode dar margem à sobrevivência de Cunha se não tiver uma postura firme.”
Mas o parlamentar do Psol diz que um time de regimentalistas estará atento, inclusive, à provável tentativa de abrandar a pena de Cunha usando o julgamento de Dilma no Senado como precedente. O fatiamento da decisão sobre Dilma também teve esta intenção, segundo ele. “Não é à toa que o Renan (Calheiros, presidente do Senado) negociou isso, pensando inclusive nele próprio e em aliados do PMDB, incluindo o Cunha. Mas vamos mostrar que não há a menor possibilidade de cassação de mandato parlamentar ser comparada com o rito de impeachment presidencial. As leis que regulamentam os dois casos são totalmente diferentes.”
De acordo com a interpretação de Chico Alencar, a lei que regulamenta a cassação de mandato parlamentar é a Lei das Inelegibilidades, que foi atualizada pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n° 135/2010). E a legislação que rege o impeachment é a Lei nº 1.079/1950. “É impossível cassar mandato parlamentar sem perda de direitos políticos.”