Há 25 anos, num ambiente majoritariamente machista e masculino, como é o movimento sindical, um grupo de trabalhadoras da CUT propunha, durante o 4º CONCUT (Congresso Nacional da CUT), que a Central se declarasse favorável à descriminalização e legalização do aborto.
À frente da discussão na Central havia mulheres como a assistente social Didice Delgado, primeira coordenadora da CNMT (Comissão Nacional sobre a Questão da Mulher Trabalhadora da CUT), um espaço que ainda sequer havia se transformado em secretaria.
Para ter ideia de quão audaciosa foi a proposta, basta avaliar a recente reação à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de não considerar crime a interrupção da gravidez nos primeiros três meses de gestação.
Horas após a decisão, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que criará uma comissão especial na Casa para tentar reverter a decisão.
Decisão que não descriminaliza a prática do aborto no país, porque foi tomada por apenas cinco dos 11 ministros do Supremo, mas que cria precedentes para que outros juízes se posicionem da mesma forma.
Em entrevista ao Portal da CUT, Didice conta como o tema entrou na agenda da Central e aponta a necessidade de aproveitar a decisão do Judiciário para ampliar a discussão sobre algo tão delicado em um tempo de ascensão do conservadorismo.
Como a discussão sobre a legalização do aborto chegou à pauta da CUT?
A posição da CUT a favor da descriminalização e legalização do aborto foi tomada no 4º CONCUT (Congresso Nacional da CUT), em 1991. Não conheço outra central sindical, ao menos entre as brasileiras, que tenha adotado posição semelhante. É um tema muito polêmico na sociedade inteira e a discussão começou porque entrou na então Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora, da qual eu era coordenadora. Uma pauta que já era do movimento feminista.
A criminalização do aborto recai de forma muito cruel sobre as mulheres trabalhadoras, pobres, que não têm condições de pagar um aborto clandestino, parte de uma indústria que se prolifera no Brasil. Então, se subtemem à interrupção da gravidez em condições precárias, perigosas, muitas morrem ou ficam com sequelas para a vida inteira.
Por termos desenvolvido nosso trabalho com uma orientação sindical e feminista, já tinha nessa época a compreensão de que as decisões sobre ter ou não filhos é da mulher. E toda mulher deve ter o direito de decidir se quer dar à luz.
Sabemos que métodos contraceptivos falham, muitas engravidam em consequência de violência, havia esse debate entre nós e achávamos que a CUT deveria se posicionar sobre temas que dizem respeito à mulher trabalhadora, ainda que não sejam diretamente relacionados ao local de trabalho.
Propusemos o debate no 4º CONCUT e a proposta foi aprovada num encontro que tinha maioria de homens como delegados, em uma central sindical formada por muitas pessoas de formação religiosa. Fizemos a discussão sob o aspecto de que a criminalização do aborto prejudica as mulheres trabalhadoras e conseguimos aprová-la.
O que aconteceu a partir da aprovação?
Portal da CUT – A partir daí, passamos a participar da luta geral do movimento de mulheres em defesa da legalização do aborto no Brasil como CUT e não mais individualmente como sindicalistas, da maneira que vínhamos fazendo.