A decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do habeas corpus (HC) apresentado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma incógnita. Ao anunciar a sessão para esta quinta-feira (22), a presidenta do STF, Cármen Lúcia, surpreendeu.
Diante da sua resistência em pautar qualquer julgamento sobre prisão após julgamento de segunda instância, esperava-se que o ministro Marco Aurélio Mello ou o decano Celso de Mello levantasse uma questão de ordem para pedir que o tema fosse finalmente levado a plenário. Cármen se antecipou.
Ela vem sofrendo grande pressão, inclusive dentro do tribunal, para colocar a matéria no plenário. A iminente prisão de Lula, principalmente após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região marcar o julgamento de recurso do ex-presidente para a próxima segunda-feira, aumentou ainda mais a tensão no STF.
Como o julgamento tem inegável importância política, ele é ainda mais imprevisível. Além disso, sendo um habeas corpus, ele vai avaliar apenas a situação de Lula. Não se sabe qual a repercussão que esse fato terá na posição de cada um dos ministros.
O que está em discussão é um dos princípios mais importantes do chamado Estado democrático de direito: o que se refere à presunção de inocência. Por isso, para o advogado criminalista Leonardo Yarochewsky, independentemente de Lula ser o objeto do HC, a decisão desta quinta-feira se reveste de importância capital.
“A execução provisória da pena (possibilidade de prisão após segunda instância), como vem sendo aplicada, afronta o princípio constitucional da presunção de inocência e consiste na odiosa forma de antecipação da tutela penal. É isso que está em jogo, o que está sendo questionado é esse monstro jurídico”, diz. “O HC tem respaldo no princípio da presunção de inocência, e esse princípio independe de quem quer que seja o autor do habeas corpus”, acrescenta.
Para Yarochewsky, porém, é importante que, além do HC de Lula, o STF julgue as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, como enfatizou o próprio ministro Marco Aurélio Mello, no plenário, logo após o anúncio de Cármen Lúcia.
Ao pedir a palavra, Marco Aurélio disparou: "Como podemos resolver vez por todas essa questão sem se cogitar apequenar o Supremo?”, ironizou, em referência a uma fala da própria ministra, que teria dito a empresários que não pautaria a matéria para “não apequenar” o tribunal. "Podemos fazê-lo designando dia para o julgamento final, seja qual for a conclusão da sempre douta maioria, das declaratórias 43 e 44, que liberei em dezembro", cobrou o ministro, relator das ações.
A cobrança do ministro se deve ao fato de que uma decisão nessas ações gera certamente efeitos erga omnes, ou seja, para todos, o que não é necessariamente o caso de um habeas corpus.
Na semana passada, Yarochewsky esteve em Brasília, como representante do Instituto de Advogados Brasileiros, em reunião de diversas entidades para cobrar, junto com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um posicionamento do STF sobre a questão. Principalmente porque a manutenção do atual entendimento do tribunal afeta os direitos de milhares de pessoas que estão sendo presas em decorrência da decisão da corte de dezembro de 2016.
Na ocasião, o Supremo mudou entendimento que vigorava até então e permitiu que um réu possa ser preso após esgotados os recursos na segunda instância. O julgamento terminou em 6 a 5 a favor dessa tese.
Os juristas Dalmo Dallari e Celso Antônio Bandeira de Mello já declararam esperar que a “Suprema Corte” recoloque a matéria sob a ótica da Constituição brasileira.
Pressionada por ministros dentro do próprio tribunal, a ministra foi obrigada a anunciar o julgamento. Não se sabe se Cármen capitulou por conhecer previamente os votos de seus colegas de plenário, eventualmente de acordo com o dela própria, ou se porque não tinha outra saída.
Para o jornalista Luis Nassif, a recente postura da presidenta do STF de se recusar a pautar matéria de tamanha importância “insere-se, com honra, na galeria dos mais ridículos episódios da história do Supremo Tribunal Federal”.